domingo, 20 de novembro de 2011

As últimas ceias dos guerrilheiros


Depois de uma viagem à China para treinamento de guerra de guerrilha, em 1966, militantes do PCdoB se mudaram para a pequena cidade de Porto Franco, no oeste do Maranhão. Ficaram por lá durante um tempo (talvez um ano ou um pouco mais) à espera de ordens da cúpula do partido para se transferirem para o sul do Pará, região escolhida para instalar a guerrilha. Em Porto Franco, os guerrilheiros assumiram diversos disfarces (médico, comerciantes, agentes de saúde) e passaram a viver de forma pacata, animada e com um nível de conforto que não veriam mais.
FOTO 1
Não se sabe quantos guerrilheiros passaram por Porto Franco. O certo é que alugaram duas casas. Numa delas (FOTO 1, imagem recente), moravam o veterano líder do PCdoB Maurício Grabois (codinome Mário), seu filho André Grabois (Zé Carlos) e o genro Gilberto Olímpio Maria (Pedro). Na outra casa (FOTO 2), vivia João Carlos Haas Sobrinho (dr. Juca).
FOTO 2
Para manter seus disfarces, os guerrilheiros procuravam levar uma vida normal, misturando-se à população. Assim acabaram frequentando inocentes festinhas da sociedade porto-franquina, como mostram as fotos tiradas por moradores entre 1967 e 1968. Nas imagens, vê-se que, antes de descer ao inferno da guerrilha, os militantes do PCdoB celebraram a vida na companhia da povo que pretendiam representar. Comeram bem e brindaram com copos cheios, talvez pensando na revolução que nunca chegaria.
Não muito tempo depois que as fotos foram tiradas, os guerrilheiros enfim receberam ordens para deixar Porto Franco e se embrenhar nas matas do Bico do Papagaio, a 200 quilômetros adiante. Na guerrilha, viveram a vida bruta dos acampamentos na mata, passaram fome e se vestiram com andrajos. Quase todos morreram nas mãos do Exército.
FOTO 3
FOTO 3 – Dezembro de 1967. André Grabois (no fundo, de óculos) e Gilberto Olímpio Maria (à esquerda, em primeiro plano) participam da festa dos formandos da 4ª série do Ginásio Dom Orione. Há duas mesas servidas. A da direita, que aparece em destaque, é a mesa dos homens. Foi posta com esmero (repare nos copos de festa e na disposição simétrica dos pratos). A comida acaba de chegar: são oito tigelas bem-servidas. É possível identificar um punhado de pastéis, uma montanha de arroz e um prato que leva ovos partidos ao meio, tomates em rodelas e, como enfeite, azeitonas. Um zoom na imagem revela o que seria uma coxa de frango no prato que está à frente de André Grabois.
Os guerrilheiros estão com os cabelos cortados e penteados e vestem camisas claras e bem passadas. Esboçam um sorriso, mas o que revelam é uma certa tristeza. Os demais convidados parecem mais à vontade, e a mulher ao fundo, vaporosa, encanta o ambiente.
Em 1968, poucos meses depois daquela comemoração, André Grabois deixou Porto Franco para comandar o Destacamento A da Guerrilha do Araguaia. Deu tiros, assaltou um posto da PM e acabou morto pelo Exército, em 1973. No mesmo ano, tombou Gilberto Olímpio Maria. Os corpos de ambos permanecem desaparecidos.
FOTO 4
FOTO 4 – Ainda estamos na festa de formatura, mas agora na mesa da esquerda, a das mulheres, arrumada com tanto ou mais capricho que a dos homens. Toalha de babados bordada, copos finos e comida farta. A senhora de óculos, de 54, é apresentada aos moradores de Porto Franco como d. Maria. Seu nome verdadeiro é Elza de Lima Monnerat. Integrante do Comitê Central do PCdoB, é ela quem costuma buscar os companheiros em São Paulo e levá-los até o local da guerrilha.
Elza Monnerat foi um dos poucos guerrilheiros do Araguaia que conseguiram fugir da caçada promovida pelo Exército. Presa em 1976, em São Paulo, foi liberdade em 1979. Morreu em 2004, com 90 anos.
(Um detalhe curioso: anos depois do fim da guerrilha, quando souberam que seus antigos vizinhos eram guerrilheiros disfarçados, os donos das fotografias coloridas (monóculos) cortaram algumas delas para apagar os militantes do PCdoB. Nesta imagem, um corte apaga o rosto de Gilberto Olímpio Maria, que aparece na FOTO 1. Supõem-se que os donos do monóculo não identificaram que d. Maria também era guerrilheira).
FOTO 5
FOTO 5 – A comida já foi devorada; sobrou um garrafão no centro da mesa. A festa de formatura agora parece mais animada. Os mais velhos deixaram o ambiente e os jovens, inclusive adolescentes, tomaram conta. No canto direito, com o copo mais elevado para o brinde, aparece João Carlos Haas Sobrinho, o dr. Juca da Guerrilha do Araguaia.
Médico experiente, João Carlos Haas Sobrinho tinha consultório em Porto Franco. Em 1969, abandonou a cidade e o disfarce para se juntar aos companheiros que o esperavam no Bico do Papagaio. Morreu três anos depois, compondo a lista dos desaparecidos políticos.
FOTO 6
FOTOS 6 E 7 – Como é comum acontecer com os médicos do interior, João Carlos Haas Sobrinho era muito querido pelos moradores de Porto Franco e, por isso, sempre era convidado para as festas. Na FOTO 6, o dr. Juca (o mais alto) aparece numa festa da elite porto-franquina. Escondida por um papel já engordurado, a comida do jantar aguarda a hora de ser servida. Homens de terno, garrafas de espumante e o balde de gelo entregam: é um encontro “pequeno burguês”, como diriam os comunistas da época.
FOTO 7
Na FOTO 7, em outro evento, João Carlos Haas Sobrinho conversa com um morador de Porto Franco. Na mesa, garrafas de Pepsi Cola e um litro de “Pure Malt”.


Fonte: http://lfigueiredo.wordpress.com/2011/03/02/exclusivo-guerrilha-do-araguaia1-as-ultimas-ceias-dos-guerrilheiros/

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