PARÁ, Belém - Dois pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, responsáveis pelo levantamento da memória social do Araguaia, gravaram relatos de guerrilheiros, ex-guias, moradores e camponeses, junto com os demais participantes do Grupo de Trabalho, e concluíram a 1ª Expedição da 3ª Fase de localização, busca e identificação dos restos mortais e da contextualização das mortes de quem fez parte da história da Guerrilha do Araguaia.
Historiadores, geólogos, antropólogos forenses e médicos legistas, nomeados e coordenados pelo Ministério da Defesa (MD), fazem parte do Grupo de Trabalho (GT), que tenta localizar e resgatar os restos mortais dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, entre os anos de 1972 e 1975. O Ministério da Defesa é responsável pelos trabalhos de campo e o Exército provê a logística.
Rodrigo Peixoto e Ivete Nascimento, dois pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, solicitados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, fazem parte do grupo que, junto com os observadores independentes Paulo Fonteles, representante do Governo do Estado do Pará, Aldo Arantes, ex-deputado federal e Myrian Luiz Alves, jornalista, formam o Grupo de Entrevistas e Contextualização dos Fatos.Os pesquisadores representam o enfoque da antropologia social ao trabalho.
Antes denominado de ouvidoria, o grupo realiza o trabalho de acervo integrado com o projeto de identificação de restos mortais da Guerrilha do Araguaia. Os pesquisadores estiveram na região três vezes neste ano de 2009: uma no período de 07 a 14 de julho, outra de 21 a 29 de julho e a terceira entre 11 e 18 de agosto. Em setembro, os pesquisadores já estão com viagem agendada para continuar a pesquisa, no período de 8 a 17 de setembro, segunda semana do próximo mês.
Processo e decisão judicial - O ano de 1982 marcou a instauração de processo contra a União, de parte de 22 familiares de guerrilheiros que atuaram no Araguaia, região sul do Pará e que hoje abrange parte do Estado do Tocantins. O processo ordenou que fossem achados os restos mortais dos guerrilheiros e identificados os corpos. Em 22 de julho de 2003, a juíza Solange Salgado, da 1ª Vara do Distrito Federal, ordenou a quebra do sigilo das informações militares dando um prazo de 120 dias à União para encontrar onde foram os sepultamentos.
Nos 35 anos que separam a Guerrilha do Araguaia dos dias de hoje, a idéia é ouvir as partes envolvidas e reconstituir as circunstâncias de morte. A equipe colheu informações em Araguaína e Xambioá, no Tocantins e Marabá, no Pará. “É um trunfo registrar na íntegra toda essa manifestação. É uma contribuição do Museu para a Memória Social da Guerrilha, com uma metodologia adequada, onde os pontos de enterro dos corpos já estão pré-identificados, além de contar com o apoio de toda essa equipe”, relata Rodrigo Peixoto.
Arquivo da memória - O trabalho dos pesquisadores envolvidos é reunir, reproduzir, catalogar e organizar toda a vasta documentação sobre a Guerrilha que se encontra dispersa, a fim de disponibilizá-la ao público. Registrar em áudio e vídeo depoimentos sobre a Guerrilha, construindo um arquivo de história oral temático é outro objetivo da iniciativa. O material das entrevistas em áudio e o material em vídeo coletado pelos pesquisadores do Museu Emílio Goeldi será articulado digitalmente com outros centros de documentação no país. Entre esses centros de memória estão o Memorial da Anistia, que está para ser inaugurado em Belo Horizonte; os arquivos da Comissão da Anistia, em Brasília, e da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, em São Domingos do Araguaia, no Pará; o pequeno Museu da Guerrilha, em São Geraldo do Araguaia, no Pará; e o Instituto de Apoio aos Povos do Araguaia (IAPA), em Xambioá, no Tocantins.
Além disso, é plano dos pesquisadores do Goeldi estruturar o site Memória Social da Guerrilha do Araguaia como um espaço de acesso a informações e debate permanente; além de editar a história da Guerrilha em quadrinhos e associar o Arquivo da Memória Social da Guerrilha do Araguaia à rede pública de ensino no Estado do Pará. “Nós pretendemos criar um arquivo social, recolhendo depoimentos daqueles que sofreram as torturas, que fizeram as repressões, que viveram o cotidiano dessa guerrilha. Isso é muito importante para estudantes e pesquisadores que hoje só tem acesso a essas informações através de jornais da época e material da academia”, conta Rodrigo.
Mudança social da região
A Guerrilha do Araguaia trouxe diversas transformações para as localidades como Xambioá e São Geraldo do Araguaia, e de mudança social de toda uma região sobre a qual exerceu influência. Muita coisa mudou e hoje muito pouco daquele ambiente, em que aconteceu a Guerrilha, é encontrado. “Não se encontra nada de floresta, somente muito pasto, muita pobreza e muitos conflitos de terra”, descreve Ivete Nascimento.
O desenvolvimento da região, cujo sinal mais visível é a destruição da natureza, não beneficiou os trabalhadores, não civilizou e não produziu uma melhor organização da sociedade. “Pelo contrário, as pessoas vivem sem segurança e os assassinatos de lideranças continuam na impunidade”, destaca o pesquisador Rodrigo. Por essa razão, o pesquisador acredita que muitas das perguntas ficarão sem resposta. “Há locais em que não é mais possível encontrar nada. Só o que se vê são pastos e isso prejudica no reconhecimento de lugares, apontado pelos mateiros, guerrilheiros e ex-soldados do exército, onde, possivelmente, foram enterrados os corpos”. Em conseqüência, várias viagens e missões, oficiais e não-oficiais, tiveram poucos ou nenhum resultado. Apesar disso, duas ossadas já foram reconhecidas, como de Maria Lúcia Petit e Bergson Gurjão Farias.
Relato das histórias
Na última viagem feita com o grupo escolhido pelo Ministério da Defesa, os pesquisadores Rodrigo Peixoto e Ivete Nascimento, junto com o Grupo de Entrevistas e Contextualização dos Fatos Orais, realizaram a gravação de cinco entrevistas, com imagem e voz. Os entrevistados foram um ex-soldado do Exército, um ex-guia, um barqueiro, uma moradora de Araguaína e um jornalista. Para Rodrigo, “as histórias e as circunstâncias em que aconteceram são muito importantes já que ajudam na identificação dos locais onde os corpos foram enterrados”.
Para isso, foram a vários lugares como Marabá, Xambioá e Araguaina, para encontrar personagens como o ex-soldado do Exército que, ao contar seus momentos de constrangimento e horror, demonstra, nas imagens gravadas pelos pesquisadores, o reflexo da pressão sofrida por conta do grupo militar de que fazia parte. “Ele ficou atônito, sem nenhuma reação, até que as lágrimas começaram a cair no seu rosto ao lembrar dos momentos de torturas que era obrigado a realizar. Segundo o soldado, eles serviam obrigados, eram forçados a fazer torturas e abandonavam suas famílias em nome da Força Armada”, conta Ivete Nascimento.
Outra entrevista é com o barqueiro, responsável por um regatão, que comprava produtos na cidade para revender ao longo do Rio Araguaia. “A história dele é muito impressionante. Ele passou a ser caçado por causa do contato que tinha com os guerrilheiros e não por fazer parte efetivamente do grupo. Mesmo assim, quando foi pego, sofreu muita tortura e quase morreu. Ele foi o primeiro a receber a indenização do Governo Federal”, revela Rodrigo.
Os guias eram famosos por mostrarem os caminhos, no meio do mato, aos pequenos grupos de militares que seguiam os guerrilheiros. Segundo o pesquisador Rodrigo, os guias eram um pouco de escudo e cumpriam esse papel a contragosto. “Eram forçados a mostrar os caminhos, pelo fato dos militares não conhecerem a vida na floresta, por não saberem o caminho para chegar até aos acampamentos dos guerrilheiros”.
O depoimento de uma moradora de Araguaína surpreendeu até mesmo os pesquisadores. ”Ela nos contou que, como não dispunham de recurso fotográfico para provar as mortes, cortava-se cabeças, mãos, partes do corpo humano de soldados. Um dia, ao receber um guerrilheiro conhecido como Negro Arlindo, para tomar um chá em sua casa, o guerrilheiro carregava um saco. Ao perguntar o que tinha dentro do saco, o Negro mostrou que dentro tinha muitas cabeças humanas, como prova de assassinato”.
Nível internacional
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão pertencente à Organização dos Estados Americanos (OEA), abriu uma ação contra o governo brasileiro por detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista Brasileiro (PC do B) e camponeses, durante a Regime Militar. A pressão exercida contra o governo brasileiro fez com que o Ministério da Defesa criasse o GT, tendo como referência as determinações contidas nas Portarias 567-MD (29/4/09), 744-MD (9/6/09), 993-MD (10/7/09) e 995-MD (10/7/09), no qual a União Federal é ré. O GT está ainda sujeito à supervisão de um Comitê Interinstitucional, também coordenado pelo Ministério da Defesa.
Fonte: Agência Museu Goeldi - texto: Sílvia Leão
2 comentários:
Gostei muito deste blog, pois traz informações muito importante sobre este momento marcante da história de lutas do povo brasieiro que infelizmente veio marcado por repressões, torturas e mortes. Com certeza será muito útil para pesquisas escolares e para todos que desejarem LEVAR ADIANTE ESTA DENUNCIA VERGONHOSA DA AÇÃO DE NOSSOS GOVERNANTES ÀQUELA ÉPOCA.
Obrigado!
concerteza estamos monstrando a realidade dessa história...
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