Documentário de Vandré Fernandes estreiou na Mostra de SP e trouxe viés inédito do combate contra a ditadura no interior do país.
A Guerrilha do Araguaia já foi tratada a partir de dois pontos de vista primordiais: o lado oficial dos militares e o dos participantes da notória luta armada. Iniciado pelo PCdoB no fim da década de 60, o movimento que visava instalar a resistência popular contra a ditadura agora ganha nova abordagem no documentário "Camponeses do Araguaia - A Guerrilha vista por dentro", do diretor Vandré Fernandes, ex-dirigente da UJS.
O filme traz relatos dos diversos camponeses que vivenciaram a Guerrilha no dia-a-dia, contando curiosidades do relacionamento com os guerrilheiros e também das marcas que deixaram as torturas dos militares, ampla e irrestrita a todos que moravam na região onde foi deflagrado o conflito. Há ainda um rico bando de imagens, que complementam esse importante registro de uma parte ainda pouco explorada da história brasileira.
"Camponeses do Araguaia - A Guerrilha vista por dentro" faz parte da programação da 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e teve estreia marcada para o dia 22 de outubro no Unibanco Arteplex.
O Portal UJS bateu um papo com Vandré Fernandes, que conta mais detalhes de sua produção.
Como e quando surgiram as primeiras ideias para o documentário?
A ideia surgiu no primeiro sementre de 2009, quando ficamos sabendo que os camponeses do Pará que vivenciaram e se envolveram na Guerrilha do Araguaia iriam ser anistiados pelo Estado Brasileiro. No ínicio, a Fundação Mauricio Gragois queria apenas o registro na íntegra do processo da anistia e ter isso como arquivo histórico. Foi aí que percebi que aquela história podia render muito mais e apresentei um roteiro para realizarmos o documentário que pudesse, num futuro, participar de festivais e mostras, e que mais pessoas pudessem ter acesso ao episódio da Guerrilha. Como a Fundação não tinha experiência no desenvolvimento do audiovisual, então eu apresentei a Oka Comunicações e assim nasceu a parceria do Documentário.
Desde do ínicio, eu procurava contar a história da Guerrilha através do olhar do camponês. Basicamente, a marcação do roteiro seguiu quatro perguntas: como era região, como você (camponês) chegou aqui, como foi o seu contato e impressão dos "paulistas" (os Guerrilheiros), como foi no tempo da Guerrilha e o contato com os militares e, por último, como você (camponês) e a região ficaram após a guerrilha. Veja que num documentário a gente procura seguir uma linha de roteiro para não fugir da história inicialmente pensada, e não propriamente um roteiro, como num filme de ficção. Mas aí fui percebendo que a história não fechava direito, faltava informações do porquê dos "paulistas" terem se deslocado para a região do sul do Pará e da tática militar utilizada pela ditadura para aniquilar os guerrilheiros. Então, eu e os produtores achamos melhor incorporar no documentário pessoas que preenchessem essas informações, como Renato Rabelo, presidente do PCdoB, e Romualdo Pessoa, professor da UFG que lançou um excelente livro intitulado "Guerrilha do Araguaia, a esquerda em armas".
Um dos diferenciais da produção é tratar da Guerrilha do Araguaia a partir do povo da região. Você consegue citar algum personagem que seja mais marcante para você?
Esse é de fato o diferencial, contar através do olhar do camponês. Sabemos pouco sobre o episódio pelos militares. Já o PCdoB tem vários registros que remontam a Guerrilha, como o Relatório de Arroio e Araguaia - relato de um guerrilheiro, de Glênio de Sá, para citar dois. Mas há vários documentos e livros a respeito. Não há exatamente o mais marcante, pois se a gente pegasse a história só de um camponês já teriamos um bom documentário. Porém, há histórias interessantes que acabaram não entrando no documentário, por conta do que eu disse de seguir uma linha de pensamento. Uma delas é da camponesa Neusa e o guerrilheiro Amaro, que mesmo sendo proibidos de ter um relacionamento amoroso - pois era perigoso para a organização - decidiram viver juntos, ele com mais de 40 e ela com 19 anos. Tiveram muitos filhos, todos com nomes de guerrilheiros. Amaro faleceu na década de 90 e Neusa está no documentário.
Mas a história mais impressionante foi contada pela camponesa e professora Oneide. Ela preparou um festival de teatro entre os alunos da região para ser apresentado em praça pública, com diversos temas locais. Foi feita uma montagem da Guerrilha e quando uma aluna interpretava Dina, uma guerrilheira, a polícia e o prefeito entraram dispersando a população e tiraram a roupa da jovem, deixando-a nua na praça, isso em 2006.
Que outras novidades o filme traz (imagens inéditas, informações novas etc.)?
A novidade, sem dúvida, são os relatos dos camponeses. No entanto, a TV Mirante nos cedeu imagens de treinamento do exército na região utilizados como forma de intimidamento que são impressionantes. Eles estavam indo para uma guerra de fato. Já as imagens do cotidiano da época, dos camponeses jovens, aqueles retratos de casamento, de pais, que no norte e nordeste são comuns, isso se perdeu, pois os militares queimaram tudo o que pudesse guardar alguma lembrança.
Quem são os apoiadores da produção? Como você avalia a viabilidade comercial de documentários como o seu no cenário atual?
O financiamento do documentário se deu através da Fundação Maurício Grabois e seu presidente Adalberto Monteiro, além do apoio de Leocir Rosa e Osvaldo Bertolino, que também nos ajudaram na condução no sul do Pará. Tivemos ainda a Oka Comunicações, através do meu amigo Rogerio Zagallo, produtor e editor, que se dedicou muito na finalização, Bruno Mitih, o fotógrafo, Daniel Altman, que musicou o filme, e eu, claro, fazendo quase tudo a custo zero. Foi o chamado "cinema de guerrilha". O formato documentário no Brasil vem ganhando bastante prestígio, tem produções para todos os gostos, como "Jogo de Cena", "Dzi Croquetes", "Cidadão Boilesen", "Terra Deu, Terra Come", "Alô Alô Teresinha". As salas de cinemas com esses trabalhos vêm tendo um público cativo.
Depois da participação na Mostra, o filme será exibido em algum circuito e sairá em DVD?
Passamos pelo Festival do Rio e agora estamos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e isso é bem legal porque o filme passa a falar para mais pessoas. Ainda estamos aguardado respostas de outros festivais, inclusive fora do Brasil, mas não pensamos no circuito comercial, pois exige um investimento alto para a exibição nas salas. Acho mais interessante caminhar para a televisão e estamos em conversas com as TVs públicas e comunitárias. Já o DVD logo mais estará disponível no site da Fundação.